Ação social na Rocinha transforma lixo em arte e cultura
Iniciado na Rocinha, o projeto De Olho no Lixo já recolheu mais de 450 toneladas de detritos
Os desenhos coloridos da comunidade da Rocinha, feitos no painel grafitado de 36 metros na saída do Túnel Zuzu Angel, que liga Gávea à São Conrado, na Zona Sul do Rio, podem definir o conceito do projeto “De Olho Lixo: trazer arte ao inesperado”.
A iniciativa, fruto da cooperação técnica entre a Secretaria de Estado do Ambiente e o Viva Rio Socioambiental, com apoio da Associação dos Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj), começou com o trabalho de manejo correto dos resíduos sólidos na Rocinha. Além de ampliar esta ação para outras localidades do Rio, o projeto se tornou uma referência de música, arte e cultura para os moradores da comunidade.
Um ano e quatro meses foram necessários para construir este espaço. O lixão localizado na Quadra da Roupa Suja, na Rocinha, foi transformado na sede própria do “De Olho no Lixo”. A maior favela do país, com cerca de 70 mil habitantes, também é casa do projeto que nos primeiros 12 meses de atuação, recolheu mais de 450 toneladas de lixo em pontos estratégicos da comunidade: Pedrinha na Rua Dois, Roupa Suja (partes baixa e alta), Lajão e da área da Elevatória da Cedae, em São Conrado.
O foco dos idealizadores é sensibilizar acerca das questões de gestão de detritos, incentivando uma transformação na cultura do lixo — que atualmente gera um imensurável problema ambiental — em cultura do resíduo, onde o conceito de tudo aquilo que é descartado, altera-se de lixo para matéria-prima.
O trabalho é realizado por 30 agentes socioambientais e moradores da Rocinha, que foram contratados e treinados pelo projeto para coletar resíduos na comunidade. Márcia Rolemberg, coordenadora do Viva Rio Socioambiental, relata que essa estratégia cria oportunidades de aumento da renda e valoriza a cultura da população. “Nosso principal objetivo é diminuir o impacto do lixo na Rocinha e transformar o olhar ecológico do morador”, afirma.
Com este incentivo, além da promoção de geração de renda local, o” De Olho no Lixo” participa ativamente da vida dos moradores da comunidade, possibilitando o maior alcance da educação ambiental. Segundo o Secretário Estadual do Ambiente, André Corrêa, o projeto alcança o objetivo da conscientização de forma eficaz. “A gente só consegue isso de forma lúdica, seja através da música ou da moda, como é o caso deste nosso programa”.
Para despertar o interesse da população, é preciso ir além de folhetos informativos. O projeto conscientiza na prática, demonstrando as tantas formas que existem de reaproveitar o lixo, produzindo arte e entretenimento.
Além de atuar diretamente no reaproveitamento de resíduos, o “De Olho no Lixo” também participa da limpeza de praias e esgotos na Zona Sul do Rio. Em mais uma de suas iniciativas, o projeto capacita um grupo que atua como Protetores da Baía de Guanabara. Os jovens são treinados em um curso de noções básicas de meio ambiente possibilitando a limpeza segura da Baía, além de participarem de visitas às instalações da Marinha. Micaela Luiza, 19 anos e moradora da Rocinha não tinha ideia do quanto a Baía era grande até participar do passeio. “Me sinto até mais importante agora por ser protetora de um lugar tão bonito e especial”, declara em meio a sorrisos.
A alegria presente em Micaela e de outros moradores que se envolvem no De Olho no Lixo é espelho do sucesso dessa realização. O superintendente geral do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), Paulo Timm, aprovou a iniciativa e destacou que projetos como este são fundamentais para despertar a consciência ecológica, além de promover a renda da comunidade e proporcionar entretenimento e cultura para os moradores.“Precisamos levar as pessoas a refletirem sobre o seu comportamento quanto ao despejo de lixo”, alerta.
Este sucesso já deixa o seu legado na Rocinha, e com auxílio da Secretaria de Estado do Ambiente, amplia cada vez mais o seu alcance. Além das iniciativas da Baía de Guanabara, o “De Olho no Lixo” promove ações em parceria com a Comlurb como a limpeza do elevatório de São Conrado, cultiva hortas comunitárias onde antes havia apenas lixo para consumo dos moradores, e realiza eventos beneficentes como cortes de cabelo comunitários e aulas de música. O projeto vai muito além da proteção ambiental. A vida da comunidade por onde o De Olho no Lixo passa, assim como resíduos que são recicláveis, é transformada em algo mais belo, cultural e consciente.
Moda Sustentável
Se engana aquele que pensa nos objetos reciclados pelos integrantes do e Olho no Lixo apenas como os tradicionais enfeites domésticos recicláveis. O Eco Moda, uma das oficinas de criação do projeto, transforma lixo em costura, selecionando os materiais coletados pelos agentes socioambientais e recebidos na Quadra Suja. Itens como sacolas plásticas de supermercados, nylons texturizados e retalhos de tecido são aproveitados e transformados em roupas, bolsas e acessórios através do trabalho dos colaboradores da oficina.
O estilista e coordenador do projeto, Almir França, relata que o maior desafio é aproveitar ao máximo todos os resíduos, evitando o acúmulo de lixo.
“Este local vai trazer mais pessoas para o Eco Moda e vamos poder sensibilizar mais moradores sobre a importância do reaproveitamento das roupas velhas e usadas”, afirma.
As roupas produzidas são expostas nos eventos do De Olho no Lixo, desfilando o conceito de moda sustentável, correta e de baixo custo.
Funk ecologicamente correto
Além da oficina Eco Moda, o projeto” De Olho no Lixo” também é fundador do Funk Verde, onde unem o ritmo característico da comunidade, com as iniciativas de preservação ambiental. A premissa dessas aulas para os moradores são as mesmas, porém as experiências e as práticas são completamente diferentes. O Funk Verde usa os recursos coletados nas limpezas promovidas pelo projeto para fabricar instrumentos musicais, oferecendo também aulas de música.
A coordenadora desta iniciativa, Regina Café, revela que para os instrumentos atingirem uma sonoridade próxima a dos industrializados é necessário fazer vários testes com diversos tipos de materiais, assim a variedade de resíduo aproveitado é enorme.
“Baldes, tonéis, latas de tinta, latinhas de refrigerante, de cerveja, alumínio, tampinhas. Todo tipo de material que estaria poluindo e causando transtorno a gente tenta dar um destino”, explica a musicista, que leciona cavaco, violão, flauta e teclado para os moradores que aderem essa iniciativa repleta de ritmo e conhecimento.
Redação por Jhade Marinho
25/01/2019 – 11h33
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