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Deus na visão espírita – Entrevista concedida por Gerson Simões Monteiro á Rádio Rio de Janeiro – Gerson Simões Monteiro

Deus e a visão espírita
Qual a visão que os espíritas possuem de Deus? | Foto meramente ilustrativa

 

Rádio Rio de Janeiro (RRJ) – Eu gostaria, inicialmente, que você falasse para os ouvintes da Rádio Rio de Janeiro sobre Deus na Visão Espírita.

Gerson Monteiro (GM) – Falar da figura de Deus constitui sempre uma tarefa muito difícil, embora agradável, tendo em vista a distância que, em todos os aspectos, separa os homens, criaturas finitas e imperfeitas, da incomensurável grandeza e perfeição do Criador. Por isso, escreveu com acerto o professor Milton O’Reily de Souza: “Deus, a idéia mais alta do pensamento humano, é simples, como motivo de crença e adoração e se torna complexo como motivo de conhecimento e explicação”. Assim, Deus melhor se sente do que se entende. É como disse Léon Denis: “Há coisas que de tão profundas só se sentem, não se descrevem”.

RRJ – A idéia de Deus, ao que vejo, varia muito, de acordo com a evolução espiritual de cada criatura. É isso?

GM – Sim, essa circunstância foi exposta com muita beleza e profundidade pelo professor Rubens Romanelli, da seguinte forma:

“Viviam num edifício de sete andares, moradores cujos olhos jamaistinham contemplado a luz do sol, a não ser através das vidraças diversamente coloridas de cada pavimento. Encerrados nos limites de seu pequeno mundo, cada qual fazia uma idéia diferente quanto à cor da luz solar. Os moradores do primeiro pavimento diziam que era vermelha, porque vermelhos eram os vidros através dos quais se habituaram a vêla. Os do segundo pavimento diziam, por sua vez, que era alaranjada, porque alaranjados eram os vidros pelos quais ela diariamente se filtrava. Os do terceiro diziam, pela mesma razão, que era amarela. Os do quarto diziam que era verde. Os do quinto, azul. Os do sexto, anil e os do sétimo diziam que a luz solar era violeta.

Certo dia, porém, um morador mais inteligente e indagador resolveu sair do edifício, e surpreendido com a luz do sol, que lá no alto se decompunha na policromia do arco-íris, compreendeu logo que cada morador havia apreendido somente uma parcela da verdade. Tudo se passava exatamente como se cada um deles, em seu próprio pavimento, tivesse a visão limitada a uma faixa apenas, dentre as sete faixas luminosas do espectro solar. A luz do sol era realmente da cor sob que cada qual a tinha visto, mas era também muito mais do que isso: era a síntese das sete cores. Assim como cada morador via o sol, assim também cada criatura humana vê Deus. Situado em diferentes faixas de evolução, cada um o verá sob um aspecto diferente, segundo a coloração do seu entendimento. Chegará, no entanto, um dia em que a criatura transcenderá os augustos limites do seu mundo e compreenderá Deus em sua essência, na síntese de seus atributos”.

RRJ – Quer dizer, então, que os homens sempre se abstiveram de estudar a figura de Deus por não poderem entendê-lo?

GM – Sim. Isso não impediu, absolutamente, que os grandes pensadores de todos os tempos, os maiores filósofos e estudiosos nos campos da cosmologia e da metafísica, tivessem dedicado sua inteligência e seu tempo à pesquisa e ao entendimento da figura do Criador de todas as coisas e seres do Universo, este tomado no sentido amplo. Criaram até uma ciência para isso: a TEODICÉIA. Dois assuntos principais foram objeto do exame desses estudiosos:

a) a existência de Deus, e b) a essência de Deus. DEUS EXISTE? O grande filósofo da França, Descartes, baseia-se no chamado argumento ontológico, para afirmar que sim: eu tenho ideia de um ser, de um ente perfeito; este ente perfeito tem que existir, porque se não existisse faltar-lhe-ia a perfeição da existência e então não seria perfeito. É o argumento pela evidência.

Outro vulto notável do pensamento francês foi Voltaire. Seu raciocínio é prático, ao afirmar: “O Universo me espanta e não posso imaginar que este relógio exista e não tenha relojoeiro”. Assim, diante da realidade do Universo, é forçoso reconhecer que ele foi feito por alguém.

Se esse alguém não foi o homem, só pode ter sido Deus, mas este nos concede sempre o benefício da dúvida, não é mesmo? Deve-se, porém, ao famoso S. Tomaz de Aquino, autor da não menos famosa Summa Theológica, a prova da existência de Deus mais convincente, baseada nos argumentos metafísicos.

RRJ – Antes de citá-los, Gerson, você poderia dizer por que são chamados metafísicos?

GM – Metafísica quer dizer: estudo das ciências não físicas, e faz parte da Filosofia, cujo objeto é o estudo das causas primeiras ou primárias, das causas supremas. Dessas causas uma é a maior, Deus. Argumentos metafísicos são assim sutis, transcendentes.

RRJ – Você nos dizia que Tomaz de Aquino, uma das maiores inteligências que o Mundo já conheceu, provou a existência de Deus pelos argumentos metafísicos. Quais são eles?

GM – Tomaz de Aquino nos diz que a existência de Deus pode ser provada por cinco vias, que são a do movimento, da causalidade, dos seres contingentes, dos graus de perfeição dos seres e da ordem do mundo. Esses argumentos assim se sintetizam: 1 – Se no mundo existe movimento ou mudança, que caracteriza o vir-a-ser, deve existir um motor primeiro que não seja movido por nenhum outro, pois se tudo fosse movido, teríamos o efeito sem causa; 2 – Há uma causa absolutamente primeira, transcendente às causas em geral; assim, se existem as causas segundas, deve existir a causa primeira, porque as causas segundas são efeitos.

RRJ – Lembramos aqui que os Espíritos definiram Deus como a Causa primária de todas as coisas.

GM – Exatamente. Causa primária ou primeira. Mas vamos aos outros argumentos: 3 – Existem seres contingentes, que não possuem em si mesmos a razão de sua existência, que são mas poderiam não ser; se existem seres contingentes, deve existir um ser necessário; 4 – Nas coisas existem vários graus de perfeição, referentes à beleza, à bondade, à inteligência, à verdade; então deve haver um ser infinitamente perfeito, porque o relativo exige o absoluto; 5 – Prova pela ordem do mundo, pela organização complexa do Universo, pelo governo das coisas, tudo devido a uma inteligência ordenadora, superior, absoluta, necessária.

RRJ – Estamos vendo que somente com sofismas e manifesta incredulidade se poderá negar a existência de Deus. Do outro lado, estamos vendo que o Espiritismo se estrutura em conceitos filosóficos dos mais elevados. Com relação a Deus, que prova nos oferece o Espiritismo quanto à sua existência?

GM – Você viu que as provas citadas não repugnam à inteligência mais lúcida e mais lógica e o Espiritismo nada lhes tem a opor.Quanto à existência de Deus, se não houvesse motivos outros para admiti-la, este seria bastante, conforme está na Questão 4 de “O Livro dos Espíritos”: “Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus?”

Resposta: “Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito se causa. Procurai a Causa de tudo que não é obra do homem e a vossa razão responderá”. E Kardec acrescenta: “O universo existe, logo tem uma causa”. Por isso, repetimos: Deus é a causa primária de todas as coisas.

RRJ – Parece que Meimei tem uma página que bem ilustra esse assunto…

GM– É verdade. Há uma página simples, mas interessante, de Meimei, na obra “Idéias e Ilustrações”, psicografada por Chico Xavier, capítulo 47, que vem a calhar. Ela conta que um velho árabe analfabeto orava com tanto fervor e com tanto carinho cada noite, que, certa vez, o rico chefe da grande caravana chamou-o à sua presença e lhe perguntou:

– Por que oras com tanta fé? Como sabes que Deus existe, quando se nem ao menos sabes ler?

O crente fiel respondeu:

– Grande senhor, conheço a existência de nosso Pai Celeste pelos sinais DELE.

– Como assim? Indagou o chefe, admirado. O servo humilde explicou-se:

– Quando o senhor recebe uma carta de pessoa ausente, como reconhece quem a escreveu?

– Pela letra.

– Quando o senhor recebe uma jóia, como é que se informa quanto ao autor dela?

– Pela marca do ourives. O empregado sorriu e acrescentou:

– Quando ouve passos de animais, ao redor da tenda, como sabe, depois, se foi um carneiro, um cavalo ou um boi?

– Pelos rastros, respondeu o chefe, surpreendido.

Então, o velho crente convidou-o para fora da barraca e, mostrando-lhe o céu onde a Lua brilhava, cercada por multidões de estrelas, exclamou, respeitoso:

– Senhor, aqueles sinais, lá em cima, não podem ser dos homens! Nesse momento, o orgulhoso caravaneiro, de olhos lacrimosos, ajoelhou-se na areia e começou a orar também.

Não há dúvida, caros ouvintes, de que só o orgulho tolo do homem pode negar a existência de Deus. Isso, entretanto, constitui atitude passageira, pois todos um dia o encontrarão, de vez que cada um de nós tem D’ELE a intuição de sua existência, como está na Questão 5 de “O Livro dos Espíritos”.

RRJ – Não havendo para o crente nenhuma dúvida quanto à existência de Deus, podemos defini-lo? Podemos conhecer sua natureza?

GM – Comecemos por esclarecer que definir é limitar, o que é impossível com a figura de Deus: Infinito, Absoluto, Eterno. Por isso já dissemos que Deus se sente, não se define, não se pode conhecer em sua estrutura íntima. Isso não impede, entretanto, que especulemos, no bom sentido, pois o homem é um ser eminentemente metafísico. Já o Livro dos Espíritos nos informa que Deus é a “inteligência suprema, a causa primária de todas as coisas”, o que nos leva a examinar o que seja inteligência, o que seja causa. Sabemos que o espírito constitui o princípio inteligente do Universo, mas que sua natureza íntima ainda nos é desconhecida (Questão 23 de “O Livro dos Espíritos”).

A inteligência, atributo essencial do espírito, é, segundo Claparede, a capacidade de resolver problemas novos por meio do pensamento, é a capacidade de adaptação a situações novas. Outro autor nos diz que é a faculdade pela qual a alma conhece as coisas de maneira imaterial, o que vem a dar no mesmo. Isso quer dizer que, diante da dificuldade, o homem pensa, reflexiona e procura resolvê-la, superá-la da melhor maneira para ele próprio.

Entretanto, a inteligência no homem é limitada, só em Deus é suprema, nenhuma outra se lhe pode igualar. A prova dessa inteligência superior está na obra de Deus, o Universo infinito (Questão 9 de “O Livro dos Espíritos”).

A noção de causa também é importante para conceituar o Criador, na medida em que isso é possível. Causa é um conceito filosófico importante e se define com tudo quanto concorre para que uma coisa exista. Como a existência de todas as coisas e seres se deve a Deus, dizse que Ele é a causa primária, principal, eficiente, de que dependem todas as outras causas.

RRJ – Pelo que estamos vendo, têm razão aqueles que afirmam ser o espiritismo uma doutrina profunda, embora seja também muito clara e convincente. Assim, satisfaz tanto ao homem simples como ao intelectualizado. Não é mesmo?

GM – Estamos de pleno acordo com você. Mas continuemos. Da natureza de Deus sabemos apenas que é espiritual. Para melhor entendê-lo, porém, costumamos adjetivá-lo, pois o adjetivo, limitando-o, torna-o mais acessível à nossa compreensão limitada. Por isso citamos os chamados atributos de Deus, como está na Questão 13 de “O Livro dos Espíritos”: “Deus é eterno, não teve princípio, nem terá fim, por isso é chamado o INCRIADO; é infinito, isto é, nada o limita; é imutável, pois não está sujeito a mudanças de qualquer espécie; é imaterial, portanto é puro Espírito; é único, pois se houvesse mais de um, teríamos deuses, não Deus; é onipotente, porquanto nada lhe é impossível; único e soberano, nada se lhe opõe; é soberanamente justo e bom, pois a todos concede suas graças, sem parcialidade e com amor. Poderíamos acrescentar a esses os chamados atributos entitativos ou metafísicos, assim enunciados pelos filósofos: simplicidade, infinitude, unicidade, imensidade, eternidade. Como disse o filósofo Garcia Morente, não podemos saber o que é Deus, sua essência ou natureza, apenas quem é Deus, ou seja, atestar sua existência. Nós, espíritas, reconhecemos nossa inferioridade moral e procuramos sentir DEUS, como Criador e Senhor dos nossos destinos, o Pai amantíssimo que nos destina um futuro glorioso, que estamos longe de poder prover, apenas imaginamos.

RRJ – Como disse Emmanuel no livro “Fonte Viva”:“Não perguntes se Deus é um foco gerador de mundos ou se é uma força irradiando vidas. Não possuímos ainda a inteligência suscetível de refletir-lhe a grandeza, mas trazemos o coração capaz de sentir-lhe o amor. Procuremos, assim, Nosso Pai acima de tudo e Deus, Nosso Pai, nos escutará”. Sabemos que Deus é distinto de sua Criação, como está esclarecido na Q. 77 de “O Livro dos Espíritos”. Por esse motivo o Espiritismo repele o panteísmo. Por outro lado, imanência e transcendência são noções inseparáveis, segundo o exige a própria razão. Gerson, você pode nos explicar melhor esse aspecto da apreciação que estamos fazendo, com o devido respeito à figura divina?

GM – Para começar, dizemos que o Espiritismo é dualista, de vez que admite a separação, em essência, substancial de Deus, o Criador, de sua criação. Imanência de Deus significa sua presença espiritual em tudo, como causa final e universal, de vez que Ele é o Criador de todas as coisas e seres. Por isso disse o apóstolo Paulo: “em Deus temos a Vida, o movimento, o Ser”. Entretanto, a imanência de Deus não impede sua absoluta independência em relação ao Universo, que Ele criou, e é isso que denominamos de transcendência.

Assim, imanência e transcendência se completam na natureza divina, pois sem a primeira, Deus se faria estranho ao Universo e não seria, por isso, infinito nem perfeito. Sem a transcendência, Deus seria idêntico ao Universo e também imperfeito, como o próprio Universo em evolução. Assim, em resumo: Deus, por suas leis, eternas como Ele, está presente na Criação, por efeito de sua imanência, sem se confundir com o

Universo criado por Ele (Questão 77 de “O Livro dos Espíritos”), isto

porque as leis de Deus permitem a ligação de todas as coisas ao Seu poder e à Sua perfeição; entretanto, por Sua transcendência, Deus continua distante do Universo, independente de tudo quanto cria.

RRJ – Como você já fez em relação ao entendimento da figura divina e de sua existência, poderia ilustrar com uma historieta a questão da presença de Deus em todas as coisas? Assim, o assunto ficará bem mais interessante, não é mesmo?

GM – Sem dúvida, Marcos. Há o episódio de um sábio hindu que, inspirado, dizia ao discípulo:

– Meu filho, em tudo podemos notar a existência, a presença de Deus, sustentando-nos a felicidade e a segurança. Na beleza da flor, no verde da mata, no azul do céu, na majestade do oceano, no animal que passa, no brilho das estrelas, no sorriso da criança… Em toda a Criação, há sinais da Sublime Presença, convidando-nos à confiança e oferecendo-nos conforto e alegria. Impressionado com tais raciocínios, o discípulo deixou a casa do mestre, e, retornando ao lar, divagava:

“Sim, Deus está presente em tudo: nesta flor que desabrochadeslumbrante, naquela cascata que canta a sublimidade da Criação, no Sol que ilumina o Mundo…”. Despertando do seu deslumbramento íntimo, avistou um elefante furioso que corria pela estrada em sua direção. Montado no animal, um homem advertia, desesperado, aos gritos:

– Sai da frente! Sai da frente!

“Ah!” – suspirou, tranqüilo, o crente. “Deus está em tudo. Nada há a temer, porquanto a Majestade Divina está presente também naquele elefante furioso que se aproxima. O nobre animal também faz parte da

Criação…”. Mal teve tempo de formular semelhante raciocínio, foi violentamente colhido pelo paquiderme, que o atropelou como um trem expresso, jogando-o à distância. Com contusões generalizadas, sentindo mil dores, foi socorrido por seu mestre, que ouvira o barulho. Medicado, ainda gemendo de dor, o discípulo comentou queixoso:

– Mestre, o senhor disse que Deus está em todas as manifestações da Natureza, até nos animais. Veja como fiquei por confiar em que o Senhor Supremo estava naquele elefante furioso!…

O sábio sorriu e respondeu:

– Meu filho, realmente Deus está presente em tudo. Até mesmo naquele elefante furioso. Entretanto, você se esqueceu de que o Todo Poderoso estava presente também naquele homem que gritava a plenospulmões: “Sai da frente! Sai da frente!…”.

RRJ – Uma historia bem sugestiva essa, que você nos transmitiu. Deus, de fato, está presente em tudo. Gostaríamos que você, agora, nos dissesse alguma coisa a respeito de outro problema intimamente ligado a Deus, ou seja, a compreensão que devemos ter da existência do Bem e do Mal. Eu pergunto: existe o mal? Deus é o seu autor? Se não é, porque permite a existência do mal?

GM – Nós, espíritas, sabemos que Deus é puro amor e jamais nos criaria para o sofrimento. Deus, portanto, não é o autor do mal, fruto apenas de nossa imperfeição. Começamos por dar alguns conceitos emitidos por estudiosos desse assunto, que tanto tem preocupado filósofos e religiosos em todos os tempos:

“O Bem é essência do Criador, o mal, essência da criatura” – S. Paulo.

“O Mal é a medida da inferioridade dos mundos e dos seres” – Gustave Geley.

“O que é o Mal? É Deus que adormece na consciência humana” – Victor Hugo.

“Fundamentalmente considerada, a dor é uma lei de equilíbrio e educação” – Leon Denis.

“O Mal é a ausência do Bem” – Allan Kardec.

Ainda é de Léon Denis esta definição, que consideramos muito boa:

“O Mal é o Menos evoluído para o Mais, o Inferior para o Superior, a Alma para Deus”.

Emmanuel afirma, em “O Consolador”, pergunta 135, que “o mal essencialmente considerado, não pode existir para Deus, em virtude de representar um desvio do homem, sendo zero na sabedoria e na

previdência Divina”.

RRJ – São conceitos muito interessantes esses que você citou, do mal. Entretanto, gostaríamos de conhecer alguma explicação que fosse aceitável a respeito da existência do mal e sua utilidade.

GM – Vejamos a opinião, por exemplo, do prof. Carlos Toledo Rizzini, em seu ótimo livro “Evolução para o Terceiro Milênio”: “Para progredir foi permitido ao Espírito humano violar a Lei, promover a desordem ao redor de seus próprios passos, de modo a conhecer as conseqüências do erro e afastar-se dele. Deus dispôs, portanto, que durante certo tempo lhe fosse possível abusar e errar para aprender, pagando o preço do sofrimento. É a dor o fator que traz o homem de volta ao regaço divino, depois que se desviou do rumo traçado pela Lei”. D. Ludegero Jaspers, em seu Manual de Filosofia, afirma que “Deus recusaria ao homem a liberdade, nobre prerrogativa, se não lhe desse possibilidade de agir e, portanto, de errar. Por isso Ele dá mérito ao homem que resiste ao mal”.

Outro professor de Filosofia, R. Jolivet, em seu livro “Cursos de Filosofia”, assim se exprime: “O mal resulta da criatura finita, que peca criando-o, embora ele não seja absolutamente necessário: o homem tem livre-arbítrio, que Deus respeita, garantindo sua liberdade. Ele peca voluntariamente. Essa liberdade, mesmo falível, é um bem: o poder determinar-se, ser o fruto de seus erros e acertos. A criatura assume, sozinha, a responsabilidade do mal. Assim, o mal serve ao bem, é útil. Seria absurdo se existisse sem nenhuma utilidade. É meio de reparação,fonte de mérito: o homem corrige-se e segue o bem. Que é o bem? É o que nos faz realizar a perfeição de nossa natureza. Esse fim último está na conquista da felicidade”.

Como vemos, esses conceitos se enquadram nos da filosofia espírita, segundo a qual o Espírito, criado simples e ignorante, é dotado de liberdade ou livre-arbítrio, que lhe permite escolher, optar entre o que écerto, segundo a Lei de Deus, e o que a contraria, ou seja, o mal. Pelo resgate das culpas, através do arrependimento, da expiação e da reparação, o Espírito se redime e alcança a felicidade.

RRJ – Sabemos que o mal pode ser físico, moral e metafísico. Gerson, o que você pode nos dizer do mal físico? Como conceituá-lo na problemática espírita?

GM – O mal físico consiste na dor fisiológica e tem função de regeneração e reparação. André Luiz nos esclarece, em sua obra “Ação e Reação”, Capítulo XIX, que há três formas de dor, dor essa a respeito da qual afirmou Vítor Hugo: “Dor! Chave dos Céus!”:

DOR-EVOLUÇÃO – mola do progresso, atuando de fora para dentro, aprimorando o ser, por isso atinge os próprios animais irracionais;

DOR-EXPIAÇÃO – que vem de dentro para fora, marcando a criatura no caminho dos séculos, detendo-a em complicados labirintos da aflição, por regenerá-la perante a Justiça. Regenera o Espírito,provocando-lhe o arrependimento, sujeitando-a a expiação e o levando à reparação das faltas;

DOR-AUXÍLIO – que evita o mal maior, a queda no crime ou concorre, freqüentemente, “para o serviço preparatório da desencarnação, a fim de que não sejamos colhidos por surpresas arrasadoras, na transição da morte”. Sobre esta modalidade de dor, temos uma sugestiva página de Humberto de Campos, intitulada “A Moléstia Salvadora”, componente do livro “Reportagens do Além Túmulo”. É o caso de um espírita, casado, com filhos, que se vê enredado por moça leviana, que o induz a abandonar o lar, paraviver com ela. Embora assistido por um Espírito amigo, o confrade está prestes a fazer a vontade da moça, sentindo-se fraquejar. É então que outro espírito, mais sábio e experiente, aconselha o protetor do moço a provocar nele uma doença séria, que o joga numa cama de hospital. A moça, quando o vê prostrado, mal dissimula o desapontamento e some para sempre…

RRJ – Na verdade, de quantos tombos nos livra a Espiritualidade, com seus recursos maravilhosos, não é mesmo? E o Mal Moral, existe?

GM – Tanto o mal físico como o moral são obras do procedimento dos homens, começam e terminam entre eles. Deus não cria o mal. Com referência ao MAL MORAL, diremos que consiste na violação do dever, dos princípios éticos, das leis divinas, estando ligado ao nosso direito de liberdade e vontade, expressa através do livre-arbítrio, levando um grande filósofo, Leibniz, a afirmar que “o mal moral, no homem, é consequência de um grande bem – o livre-arbítrio; é condição para o mérito”. Ele argumenta que “o mal metafísico é o limite puro e simples, que resulta da ausência de perfeição não exigida pela Natureza: a planta não vê, o homem não voa. O mal metafísico é apenas um limite e Deus só poderia evitá-lo deixando de criar. A criatura é limitada necessariamente e mais vale existir assim a não existir”.

Luciano dos Anjos, no seu livro “DEUS É O ABSURDO”, afirma: “O mal metafísico não existe; não tem realidade, nem objetivo e nem abstração; ele não pode ser dentro da criação perfeitíssima de Deus. É preciso demonstrar pelo raciocínio a sua necessidade de NÃO SER”.

RRJ – Na verdade, ficamos confusos com o problema, procurando solução para ele em nossa inteligência finita. É claro que há uma explicação aceitável, mas não atinamos com ela, não é mesmo?

GM – É claro que sim, pois não podemos duvidar da perfeição do Criador. O assunto, entretanto, estará no rol daqueles que não nos é dado conhecer ainda, como está nas Questões 10 e 17 de “O Livro dos Espíritos”.

Isso não impede, porém, que nosso pensamento procure o porquê das coisas, na ânsia de aumentar, sempre e sempre, o nosso conhecimento. O filósofo Battista Mondim, em seu livro “Introdução à Filosofia”, afirma: “O termo criação quer evidenciar a inexistência total do Mundo antes de sua produção por parte do Ser subsistente. Por meio do ato criador, o Ser subsistente comunica seu ser ao Mundo. Trata-se, porém, é óbvio, de uma comunicação limitada. O Ser subsistente não cria um outro ser subsistente, mas um ser contingente. Por esse motivo o Mundo não iguala a perfeição de Deus e muito menos se identifica com sua realidade. O mundo simplesmente participa da perfeição do Ser subsistente, ou seja, possui, de modo particular, limitado, imperfeito, aquela perfeição que no ser subsistente se realiza do modo total, ilimitado e perfeito. Há, entretanto, uma tensão permanente no Mundo para voltar à sua fonte primitiva, ao Ser subsistente. Isso explica o profundo dinamismo que o permeia, a transformação constante e a evolução maravilhosa que o anima: o Mundo está a caminho, na direção de Deus”.

RRJ – Muitos assuntos de grande interesse para a melhor compreensão da figura de Deus, Nosso Pai e Criador, foram comentados nesta entrevista. Agora perguntamos a você: de que recursos dispõe, então, o homem e, em particular, o espírita, para progredir moral e intelectualmente, até que se possa defrontar com o Criador, tornando-se, como Jesus, “um com o Pai”, como está no Evangelho de João?

GM – Marcos, dispomos, todos nós, graças ao Espiritismo, do conhecimento explicitado da Lei de Deus, desdobrada em 10 partes. “Para abranger todas as circunstâncias da vida, o que é essencial”, como diz a Questão 648 do Livro dos Espíritos. A observância dessas leis é o caminho certo, seguro e único para essa finalidade. Podemos dizer que Deus é a Lei e que essa Lei está escrita não em livros perecíveis, mas em nossas consciências; entretanto, por acréscimo de misericórdia, ela é revelada aos homens periodicamente. A última vez que isso se deu foi com o advento do Espiritismo, que o ínclito Missionário Allan Kardec codificou para todos nós. Lembramos que a primeira dessas leis – a de Adoração – resume exatamente o mandamento maior de Jesus, que nos mandou amar a Deus sobre todas as coisas, de todo nosso espírito. Essa lei nos mostra como ter acesso, embora indireto, ao Pai Celestial, através da prece, do culto interno, quando, ajoelhados, lhe entregamos nossos corações, sem vaidades, sem orgulho, sem egoísmos, sem mágoas e nem ressentimentos.

RRJ – Vamos terminando esta entrevista, mas antes pediríamos ao nosso Gerson que nos oferecesse, como fecho de ouro, uma produção poética sobre Deus.

GM – Você veio ao encontro de nosso desejo e aqui está uma bela poesia de Maria Dolores, intitulada Deus é Caridade, obra prima da nossa irmã, que ela oferece como lembrança aos companheiros da Doutrina Espírita e está publicada em Antologia da Espiritualidade, edição FEB: DEUS É CARIDADE

Não guardes e nem fales, coração,

Palavras de azedume ou desesperação.

O verbo que escarnece, esfogueia, envenena,

Traz em si mesmo a dolorosa pena

De amarga frustração!

Muitas vezes, nós mesmos, trilha afora

No pensamento que se desarvora,

Nas teias da ilusão sem motivo ou sem base,

Para sair do mal e regressar ao bem

Precisamos apenas de uma frase

Do carinho de alguém!

Na dor que nos renova,

Quantas vezes na vida a gente espera

Simplesmente um sorriso,

Para fazer o esforço que é preciso,

A fim de não perder nas lágrimas da prova

A paz da fé sincera!…

Pensa nisso e abençoa

Aquela própria mão que te espanca ou aguilhoa

Fel, tristeza, amargura,

Transformam desventura em maior desventura!

Se a mágoa te domina,

Observa a lição da Bondade Divina!

Se o homem tala o campo nos horrores da guerra,

Deus recama de verde as úlceras da Terra.

Cerre-se a noite fria,

Deus recompõe sem falta os fulgores do dia.

Atire-se um calhau à frente na espessura,

Deus protege a corrente

E a fonte lava a pedra a beijos de água pura

E prossegue indulgente.

Doce, clara, bendita,

Fertilizando o campo em que transita.

Isola-se a semente pequenina

Na clausura do chão

E eis que Deus a ilumina

E ela faz a alegria e a fartura do pão!

Que a poda fira a planta a golpes destruidores

E Deus reveste o tronco em auréolas de flores!…

Conquanto seja em tudo a Justiça Perfeita

Que nos premia, ampara, aprimora e indireita

Pelo poder do amor incontroverso,

Deus quer que a Lei do amor seja cumprida

Para a glória da vida,

Nas mais remotas plagas do Universo!

Serve, pois, coração,

À tolerância, à paz, à bondade e à União;

Embora desprezado, anônimo, sozinho,

Agradece em silêncio, a injúria, o pranto, o espinho

E serve alegremente…

Dor é nova ascensão à Vida Superior!…

Rende-te a Deus e segue para a frente,

Pois Deus é Caridade e a Caridade ardente

Tudo cobre de amor!…

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